Mauro, estava no mesmo andar de Shimuta, embora em salas diferentes. \u201cEra uma sexta-feira garoenta. Tinha uma reuni\u00e3o e eu estava no pr\u00e9dio antes das 9h. Eu e meu diretor est\u00e1vamos preparando uma apresenta\u00e7\u00e3o. Eu tinha rec\u00e9m-ganhado uma caneta Parker 51 do meu pai\u201d, conta.<\/p>\n
\n\u201cNa hora exata do inc\u00eandio, eu estava na sala do meu diretor, no 22\u00ba\u00a0andar. Nessa sala tem um banheiro privativo. Est\u00e1vamos eu, ele e uma secret\u00e1ria preparando a apresenta\u00e7\u00e3o, quando escutamos uma barulhada de vidros explodindo. Meu chefe pegou um extintor e saiu correndo. A secret\u00e1ria foi atr\u00e1s dele. Eu estava correndo atr\u00e1s deles, mas lembrei que tinha esquecido minha caneta [que havia ganhado do pai] e voltei. Peguei a caneta, minha mala e meu palet\u00f3. Quando fui sair de novo, alguns segundos depois, o hall dos elevadores e a escada j\u00e1 haviam virado uma chamin\u00e9. Tentei subir ou descer pela escada, mas n\u00e3o consegui e acabei voltando para a sala onde estava. Nesse meio tempo, seis pessoas apareceram por ali. O Hiroshi era uma delas\u201d, contou.<\/p>\n<\/blockquote>\n
De in\u00edcio eles tentaram apagar o inc\u00eandio naquele andar. \u201cTentamos pegar uma mangueira de inc\u00eandio para apagar o fogo. Esticamos, conectamos no registro, mas n\u00e3o tinha \u00e1gua. O registro central do sistema de abastecimento de inc\u00eandio estava fechado\u201d.<\/p>\n
Foi ent\u00e3o que tiveram a ideia de se confinar no banheiro. Mas n\u00e3o conseguiram ficar muito tempo por ali por causa da fuma\u00e7a. A solu\u00e7\u00e3o acabou sendo pular para o parapeito. \u201cEu abri a janela [do banheiro] e vi que tinha um parapeito. E da\u00ed consegui respirar porque ali \u00e9 um vale [Vale do Anhangaba\u00fa] e os ventos ora\u00a0vinha daqui ora dali. A\u00ed eu pulei [a janela do banheiro] e as outras pessoas pularam tamb\u00e9m. [O parapeito] era pequeno e n\u00e3o cabiam sete pessoas. Ent\u00e3o ficamos um em cima do outro. E uma pessoa em cima de mim. Ficamos ali por horas. Se n\u00e3o tiv\u00e9ssemos pulado [a janela do banheiro] ter\u00edamos morrido asfixiados\u201d.<\/p>\n
Ligere foi um dos primeiros a ser resgatado daquele parapeito. Seu salvador foi o bombeiro Jo\u00e3o Sim\u00e3o de Souza. O nome do bombeiro ele s\u00f3 foi descobrir ao dar entrevista para um programa de TV, no ano passado. \u201cEle agora \u00e9 um amigo que eu tenho, que eu ganhei, e que s\u00f3 fui encontrar ap\u00f3s 49 anos\u201d.<\/p>\n
Daquele fat\u00eddico inc\u00eandio, Ligere Filho saiu apenas com uma orelha queimada. \u201cS\u00f3 a orelha que queimou. Eu estava praticamente intacto, n\u00e3o tinha nada al\u00e9m daquela ard\u00eancia no olho e daquela secura na boca\u201d. E na segunda-feira ap\u00f3s a trag\u00e9dia ele j\u00e1 tinha voltado a trabalhar.<\/p>\n
Mas as marcas n\u00e3o foram s\u00f3 f\u00edsicas. Anos depois ele desenvolveu uma s\u00edndrome do p\u00e2nico. \u201cImagino que tenha sido consequ\u00eancia disso a\u00ed porque eu sempre tinha sido tranquilo\u201d, falou.<\/p>\n
Responsabiliza\u00e7\u00e3o<\/h2>\n
As imagens daquele 1\u00ba\u00a0de fevereiro continuam vivas na mem\u00f3ria desses sobreviventes. Ligere Filho, por exemplo, n\u00e3o somente lembra detalhes sobre o que aconteceu naquele dia, como tamb\u00e9m guarda recortes de reportagens sobre o assunto que foram publicadas em jornais e revistas. Inclusive das muitas entrevistas que deu. \u201cComo eu tinha vivido aquilo, tudo que tinha [sobre o Joelma] eu comprava e guardava. At\u00e9 que eu resolvi fazer um livro com v\u00e1rias manchetes da Veja, Estad\u00e3o, Folha para contar para os meus netos\u201d.<\/p>\n
Cada um\u00a0teve que conviver com as recorda\u00e7\u00f5es \u00e0 sua maneira, j\u00e1 que, segundo relatos de sobreviventes, nem o condom\u00ednio, nem a prefeitura e nem o Crefisul\u00a0disponibilizaram psic\u00f3logo para as v\u00edtimas ap\u00f3s o inc\u00eandio.<\/p>\n
De acordo com o escritor Adriano Dolph,\u00a0houve uma batalha pelo reconhecimento de que o Crefisul teve responsabilidade no inc\u00eandio. O banco chegou a indenizar alguns por acidente de trabalho, e entendia que era o suficiente, e que\u00a0n\u00e3o era devida indeniza\u00e7\u00e3o \u00e0s fam\u00edlias pelos mortos. “Foi uma batalha de cinco anos que chegou ao STF (Supremo Tribunal Federal) e que o pagamento s\u00f3 ocorreu ap\u00f3s dez anos, com idas e vindas, embargos declarat\u00f3rios”, explica o autor. Dolph ressalta ainda que os valores pagos foram \u00ednfimos.<\/p>\n
\u201cAs pessoas s\u00f3 come\u00e7aram a receber, de fato, a indeniza\u00e7\u00e3o ap\u00f3s um acordo com o grupo Crefisul, que n\u00e3o era mais o Crefisul. Elas s\u00f3 come\u00e7aram a receber indeniza\u00e7\u00e3o em 1986\u201d, relembrou\u00a0Adriano Dolph.<\/p>\n
Al\u00e9m disso, nem todo\u00a0foram indenizados. \u201c[A indeniza\u00e7\u00e3o] recebi de Deus, que foi a vida\u201d, afirmou Ligere Filho.<\/p>\n
Pelo lado criminal, cinco pessoas foram responsabilizadas pelo inc\u00eandio no Joelma. Em abril de 1975, Kiril Petrov, engenheiro respons\u00e1vel pelas instala\u00e7\u00f5es gerais, foi condenado a tr\u00eas anos de pris\u00e3o. J\u00e1 os eletricistas Sebasti\u00e3o da Silva Filho, Alvino Fernandes e Gilberto Ara\u00fajo e o propriet\u00e1rio da empresa Termoclima, Walfried Georg, foram condenados a dois anos de pris\u00e3o. Eles recorreram da senten\u00e7a e ent\u00e3o houve diminui\u00e7\u00e3o das penas. \u201cDe fato, eles nunca cumpriram a pena de cadeia. Todos permaneceram livres\u201d, disse o autor de Fevereiro em Chamas.<\/p>\n
J\u00e1 a empresa Crefisul jamais foi julgada. \u201cDa diretoria do grupo Crefisul ningu\u00e9m foi tido como r\u00e9u. Ningu\u00e9m [do banco] foi encarado pela promotoria ou pelo delegado que cuidou do caso como respons\u00e1vel\u201d, acrescentou o escritor.<\/p>\n
A TV Brasil<\/strong> preparou\u00a0um\u00a0especial sobre os 50 anos do inc\u00eandio do Joelma, que vai ao ar no\u00a0Caminhos da Reportagem, no dia 4 de fevereiro, \u00e0s 22h<\/em><\/p>\n<\/div>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"No dia 1\u00ba de fevereiro de 1974, Hiroshi Shimuta, 80 anos, chegou bem cedo ao 22\u00ba\u00a0andar do\u00a0Edif\u00edcio Joelma, no centro da capital paulista, onde trabalhava. O expediente come\u00e7ava \u00e0s 9h da manh\u00e3, mas ele decidiu chegar antes das 8h porque\u00a0queria ler os jornais antes de come\u00e7ar a jornada, para se… Continue lendo → <\/span><\/a><\/p>\n","protected":false},"author":1,"featured_media":0,"comment_status":"closed","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"sfsi_plus_gutenberg_text_before_share":"","sfsi_plus_gutenberg_show_text_before_share":"","sfsi_plus_gutenberg_icon_type":"","sfsi_plus_gutenberg_icon_alignemt":"","sfsi_plus_gutenburg_max_per_row":"","footnotes":""},"categories":[1],"tags":[],"class_list":["post-150","post","type-post","status-publish","format-standard","hentry","category-sem-categoria"],"_links":{"self":[{"href":"https:\/\/govbr.jornalfloripa.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/150","targetHints":{"allow":["GET"]}}],"collection":[{"href":"https:\/\/govbr.jornalfloripa.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/govbr.jornalfloripa.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/govbr.jornalfloripa.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/users\/1"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/govbr.jornalfloripa.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=150"}],"version-history":[{"count":0,"href":"https:\/\/govbr.jornalfloripa.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/150\/revisions"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/govbr.jornalfloripa.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=150"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/govbr.jornalfloripa.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=150"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/govbr.jornalfloripa.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=150"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}