“Essa exposição e um luxo! Acho que artista nenhum merece morrer sem ter uma exposição desta”. É assim que a cantora maranhense Alcione resume o sentimento por ser tema de uma mostra em comemoração aos mais de 50 anos de carreira. E com 42 álbuns lançados e e uma trajetória de sucesso, ela conta em entrevista à Agência Brasil que prepara um disco para ser lançado no primeiro semestre de 2025.
Batizada de Com amor, Alcione, a exposição está disponível no Centro Cultural Vale Maranhão, no centro histórico de São Luís, cidade natal da Marrom, com registros de apresentações da cantora em mais de 30 países, do cotidiano, das parcerias e rende uma justa homenagem à obra de uma das maiores vozes brasileiras.
Notícias relacionadas:
- Com Amor, Alcione: exposição em São Luís celebra carreira da Marrom.
- “Inventamos a imagem do cinema brasileiro”, disse Diegues à TV Brasil .
- Biblioteca Nacional distribui 2 mil livros no Rio.
“Sou muito feliz pelo trabalho dessa exposição, ainda mais por ter sido realizada em São Luís”, celebrou a cantora durante entrevista na abertura
O roteiro leva o visitante a várias versões da cantora: os passos da sambista nas ladeiras do Morro de Mangueira, a amizade com os mais diversos artistas, as viagens ao redor do mundo e a amante da cultura maranhense que gira ao som das matracas do bumba meu boi.
A Marrom se tornou conhecida do grande público com a música Não deixe o samba morrer (Edson Conceição e Aloísio Silva) , lançada no disco de estreia A Voz do Samba, em 1975. O álbum também traz outros sucessos marcantes na carreira de Alcione: O Surdo (Totonho e Paulinho Rezende), e A Voz do Morro (Zé Kétti), que inspirou o nome do disco.
A cidade de São Luís foi onde a cantora cresceu e aprendeu valiosas lições com o pai, João Carlos Dias Nazareth. “São Luís foi muito importante na minha vida. Porque aqui eu aprendi a conviver com meus amigos, a convivência que meu pai me ensinou, que a minha mãe me ensinou. Aprendi a ser, a repartir e também a me unir com meus irmãos”, contou.
Aliás, foi com o pai, mestre da banda da Polícia Militar do Maranhão e professor de música, que a Marrom deu os primeiros passos no mundo da música. Essa caminhada resultou em uma rica trajetória da maranhenses que gravou 42 álbuns, ganhou 26 discos de ouro, 7 de platina e dois de platina dupla, além de DVDs. Alcione também foi homenageada com vários prêmios durante a carreira, um deles, o Grammy Latino, em 2003 na categoria Melhor Álbum.
O fã que quiser conhecer mais a vida da Marrom poderá visitar a exposição até o dia 30 de agosto. A homenagem ecoa as palavras do mestre Nelson Cavaquinho, em Quando eu me chamar saudade: Por isso é que eu penso assim: se alguém quiser fazer por mim, que faça agora!
Com dificuldades de locomoção devido a uma espondilolistese, doença que afeta a coluna, provocando grande dificuldade de movimentação das pernas, Alcione concedeu a entrevista em uma cadeira de rodas. O “recurso” foi utilizado pela cantora para descansar após caminhar por todo o espaço da exposição.
Acompanhe abaixo o bate-papo da Agência Brasil com a cantora, na abertura da exposição.
Agência Brasil – Você já viu aqui a exposição. O que você achou?
Alcione- É um luxo, é um luxo essa exposição. É um marco na minha vida. Muito agradecida, muito feliz por isso, muito. Gostei demais!
ABr – É um passeio pela memória…
Alcione – É um passeio pela minha vida, passeio pela memória da gente. Tudo. A minha família, meu trabalho, minha vida toda.
ABr – Então, voltando à sua carreira, sua vida, você começou aqui no Grêmio Lítero Recreativo Português. Como foi isso? Está vivo na sua memória?
Alcione – Ainda está. Eu me lembro que a orquestra do meu pai estava tocando. E meu irmão também era da orquestra, ele era trompetista, Ubiratã. Foi quando o cantor da nossa orquestra ficou rouco, não pode cantar nesse dia. Aí esse irmão disse: “olha, chame Alcione que Alcione canta direitinho”. E meu pai: “é? É!”. Então eu fui cantar: (cantarola) ‘Ao ver passar por mim pombinhas brancas’ e eu gostava de Ângela Maria, Dalva [de Oliveira]. Aí, meu Deus, o povo que estava dançando parou e começou a me aplaudir. E aí virou show. Daí por diante começaram a pedir a orquestra do meu pai comigo cantando. Aí peguei gosto.
ABr – E como foi ser mulher nesse universo? Você rompeu muitas barreiras para se afirmar com a sua potência?
Alcione – É verdade. Como eu disse, mulher não vendia disco, né? A primeira mulher a vender bastante disco foi a Clara Nunes. E aí, na época, ela vendeu 100 mil discos. Depois veio Maria Bethânia, com um milhão. E aí eu entrei na jogada. Eu, Bete Carvalho, todas nós. Começamos a fazer a concorrência na praça. E pronto, teve o espaço da mulher.
ABr – Hoje, as novas gerações escutam mais música na internet, no streaming. Antigamente, a gente tinha o rádio, né?
Alcione – É verdade. O rádio sempre foi o meio transmissor mais importante do Brasil. Ainda acho até hoje. O rádio é muito importante. O rádio leva a notícia a qualquer lugar. Em qualquer lugar, na mata, não sei onde. Lá na Amazônia, o cara tem seu radinho de pilha. E tá escutando o rádio. O rádio é muito positivo na vida do brasileiro.
Abr- O Rio de Janeiro se tornou sua casa. Você tem uma relação muito forte com a cidade, com o samba e com a Mangueira. Ano passado, inclusive, você foi homenageada sendo enredo. Como foi essa experiência de estar ali na avenida sendo homenageada?
Alcione – Isso é uma coisa muito forte. Você ser homenageada pela sua escola é uma responsabilidade. Fizeram um trabalho muito bonito. A Negra Voz do Amanhã era o nome do enredo. Foi muito bonito. Eu me senti super homenageada, super homenageada. Nossa Senhora! Foi uma experiência única.
ABr – Você tem também outra paixão, que é a Mangueira do Amanhã.
Alcione – Aquela eu fundei. Eu que criei a Mangueira do Amanhã. Meus filhos. Hoje eles já são da Mangueira grande. Estão todos na bateria da Mangueira grande. Outros são mestres-sala, outros… Até a nossa rainha de bateria, a Evelyn, ela era da Mangueira do Amanhã.
ABr – É importante você conseguir dar a possibilidade dos jovens, da juventude, desenvolver as suas potencialidades…
Alcione – Isso aí. Criar a Mangueira de amanhã. Que maravilha!
ABr – Saindo do Rio e voltando para o Maranhão. Como é São Luís na sua vida?
Alcione – São Luís foi muito importante na minha vida. Porque aqui eu aprendi a conviver com meus amigos, a convivência que meu pai me ensinou, que a minha mãe me ensinou. Aprendi a ser, a repartir e também a me unir com meus irmãos. Meu pai uma vez pegou um cabo de vassoura e quebrou assim na perna. Ele falou: ‘vocês estão vendo esse cabo de vassoura? Eu posso quebrar um’. Pegou dois [pedaços] e não conseguiu. ‘Se vocês permanecerem unidos, vai ser como esse cabo de vassoura. Ninguém vai separar vocês’. Meu pai era assim.
ABr – Quando você está em São Luís, tem um lugar preferido?
Alcione – Aqui em São Luís eu gosto muito de ir à praia, olhar o mar. Tem coisa muito boa aqui no Maranhão que é você já olhar o mar. E onde tiver um tambor de crioula também. Adoro tambor. Tambor de crioula.
ABr- O Maranhão é muito forte, né? Culturalmente.
Alcione – É muito ancestral, é muito Maranhão. Ninguém tem esse tambor no mundo, só nós.
ABr- E comida? Qual é a comida preferida daqui?
Alcione – Cuxá. Arroz de cuxá, peixe frito, torta de camarão. Chibé com farinha d’água, chibé com jabá.
ABr- Já se foram cinco décadas desde que você deixou São Luís rumo ao Rio de Janeiro. Nesse intervalo você construiu uma carreira super vitoriosa e com um público eclético, de todas as faixas etárias. Como você vê isso?
Alcione – Eu acho que é uma questão de repertório também. Eu sempre tive essa ligação muito com todo mundo. Eu sempre gostei de conversar no palco. O público gosta de saber o que eu tenho para dizer. Sei lá. Essas minhas estripulias, eles gostam.
ABr – As pessoas se sentem muito próximas. Essa energia faz com que as pessoas se sintam como se fossem da sua casa…
Alcione – Isso. Essa é a intenção. Todo mundo chegar perto.
Abr – Que momentos da sua carreira que você acha que são destaque, que foram marcantes? O que você destacaria?
Alcione- Para te dizer a verdade, eu acho que foi quando eu cantei ‘Não deixe o samba morrer’. Essa música veio para marcar. Quando eu ouvi essa música, eu disse: ‘gente, eu vou rachar o Brasil no meio com essa música’. E Não deixe o samba morrer foi praticamente que mostrou a minha carreira. Dali para adiante os compositores todos queriam me dar música. E eu só queria a boa. E foi bom. Graças a Deus, sempre tive meus poetas para me darem a música boa para cantar.
ABr- Você também dá força para as novas gerações.
Alcione – Com certeza. É muito importante. É muito importante ter uma geração aí escrevendo bem.
ABr- Tem que ter alguém para falar, né, ser a voz dessas pessoas…
Alcione – Eu não sou a voz. Tem outros artistas. O Gilberto Gil, sei que ele também engrandece muitos compositores dele. Caetano, sabe? Tem muitos artistas, cantores, cantoras, que eles enaltecem o compositor. Gostam do bom compositor.
ABr – Recentemente você relatou um episódio de racismo que você sofreu, como você vê essa questão hoje? A importância de falar sobre isso, de a gente combater o racismo?
Alcione – É verdade. Essa falta de cultura. Tanto que eu sofri o racismo e rebati na hora. Às vezes hoje é difícil uma pessoa ser racista comigo. Primeiro porque eu tenho cara de tambor que amanhece, meu filho. Tá? Então, eu não vou bem ali para mandar uma pessoa para aquele lugar. Eu não vou me obrigar porque eu sou preto para ninguém. Tá certo?
ABr – Você já fez um balanço desses 50 anos de carreira? O que a Alcione de hoje diria lá para a Marrom que estava começando?
Alcione – O que eu diria para aquela que está começando? Procure estudar. Procure conhecer a fundo as obras dos compositores. Dê importância a quem está começando. Principalmente também dê importância às letras das músicas. Graças a Deus eu me vi nesse caminho.
ABr – Ano passado foram muitas apresentações, teatro municipal, teve DVD. Esse ano você tem algum projeto previsto?
Alcione – O que eu vou fazer esse ano? Eu tenho previsto um disco para esse ano. No primeiro semestre.