Lula: “A visita mais importante que já fiz ao Japão”

Após quatro dias de intensos compromissos, que resultaram na assinatura de dez acordos e quase 80 instrumentos de cooperação entre Brasil e Japão, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se despediu do país asiático nesta quinta-feira, 27 de março, com uma percepção que aponta para o sucesso da visita de Estado: “Saio do Japão muito satisfeito. Essa foi a visita mais importante que fiz ao Japão, das cinco que já fiz”, resumiu Lula, durante coletiva de imprensa antes de embarcar para o Vietnã, segundo destino da viagem à Ásia.

» Transcrição da íntegra da entrevista coletiva

A visita da comitiva formada pelo presidente, ministros, parlamentares, empresários e sindicalistas, iniciada na segunda-feira (24/3), abriu portas nas relações entre os dois países em áreas como transição energética, agricultura e pecuária, educação, saúde comunicações, ciência e tecnologia e aviação. Um exemplo é o anúncio da compra de 15 jatos da Embraer pela All Nippon Airways (ANA), maior companhia aérea japonesa, num negócio estimado em R$ 10 bilhões. 

É preciso retomar uma relação comercial muito forte com o Japão. Queremos vender e comprar. Queremos que as indústrias brasileiras estejam no Brasil produzindo etanol, biodiesel, hidrogênio verde, carro híbrido com tecnologia avançada para que a gente possa contribuir com a descarbonização do planeta Terra”

Luiz Inácio Lula da Silva, presidente da República

As conversas apontam ainda para a possibilidade de um acordo comercial entre Japão e Mercosul e o potencial de abrir o mercado japonês para a carne produzida no Brasil. Há diálogos em busca de parcerias para a recuperação de terras degradadas no Brasil para o cultivo de alimentos e de combustíveis limpos. No plano quantitativo, a intenção é resgatar o melhor momento do fluxo comercial entre os países, que chegou a 17 bilhões de dólares anuais em 2011, mas caiu nos últimos anos para 11 bilhões. 

“É preciso retomar uma relação comercial muito forte com o Japão, porque nós não queremos vender apenas carne. Queremos vender e comprar. Nós queremos que as indústrias brasileiras estejam no Brasil produzindo etanol, produzindo biodiesel, produzindo hidrogênio verde, produzindo carro híbrido com tecnologia avançada para que a gente possa contribuir com a descarbonização do planeta Terra”, frisou Lula.

No ano em que as duas nações celebram 130 anos de relações diplomáticas, houve uma decisão de que os chefes de Estado se encontrarão a cada dois anos para que os laços comerciais se intensifiquem. Somam-se a isso discussões em torno do trabalho conjunto no combate à mudança do clima, tendo a COP30, em Belém, como catalizador, e, no campo da geopolítica, a concordância de que é preciso atuar no fortalecimento da democracia, do multilateralismo e em busca de reformas no Conselho de Segurança da ONU.

“Essa visita tem como objetivo estreitar a relação com o Japão no momento em que a democracia corre risco no mundo, em que setores de extrema-direita, negacionistas, têm ganhado corpo em várias partes. Ela foi importante porque temos que vencer o protecionismo e fazer com que o livre-comércio possa crescer. Foi muito importante porque queremos discutir mudanças na governança mundial, sobretudo no Conselho de Segurança da ONU, para que a gente tenha no século XXI uma representação mais forte da geopolítica mundial”, ressaltou o presidente brasileiro. 

O país asiático costuma lançar convite para apenas uma visita da Estado por ano, mas desde 2019, em função da pandemia da Covid-19, nenhuma havia se realizado. A relação entre Brasil e Japão foi elevada ao status de Parceria Estratégica Global em 2014, durante visita do então primeiro-ministro Shinzo Abe ao Brasil.

Acompanhe abaixo alguns dos principais pontos da fala do presidente Lula:

Vamos trabalhar para que haja um acordo do Mercosul com o Japão. É bom para os países do Mercosul e será bom para o Japão. Quanto mais mercado abrirmos, quanto mais liberdade, quanto mais comércio existir, melhor será para os países”

RETOMADA DO FLUXO COMERCIALEstamos completando 130 anos de relação diplomática e temos um problema a resolver: em 2011, tínhamos um fluxo comercial da ordem de 17 bilhões de dólares. Esse fluxo caiu para 11 bilhões de dólares (em 2024). É preciso retomar uma relação comercial muito forte com o Japão.

JAPÃO E MERCOSULVamos trabalhar para que haja um acordo do Mercosul com o Japão. É bom para os países do Mercosul e será bom para o Japão. Quanto mais mercado abrirmos, quanto mais liberdade, quanto mais comércio existir, melhor será para os países. Eu vou assumir a presidência do Mercosul no segundo semestre. Se depender de mim, vai acontecer o que aconteceu no acordo com a União Europeia: vou trabalhar para que a gente possa fazer acordo com o Japão.

RECUPERAÇÃO DE TERRAS DEGRADADASDa mesma forma que o Japão nos ajudou a encontrar solução para o Cerrado, que era tido pelos brasileiros como uma região de terra ruim, de terra arrasada, estamos convidando os japoneses para ajudar a recuperar 40 milhões de hectares degradados que a gente pode transformar numa área produzida que é maior do que Portugal. A gente pode produzir o que a gente quiser: mais comida, mais eucalipto, criar gado, galinha, porco, cavalo, tudo o que a gente quiser.

CARNE BRASILEIRA PARA O JAPÃOA carne brasileira tem muita qualidade. Hoje, a carne brasileira compete com qualquer carne de qualquer país do mundo. E temos uma carne livre de febre aftosa. O Brasil está pronto. O que ouvi do primeiro-ministro é que ele vai, o mais rápido possível, mandar especialistas para analisar os rebanhos brasileiros e depois vamos ver se eles vão tomar a decisão. Eu acredito que ainda este ano a gente vai ter uma solução nessa questão da carne.

O que queremos é uma COP com seriedade, discussão, para que a gente possa tirar da COP30 decisões que possam ser cumpridas e que a sociedade possa acreditar que os governantes estarão levando a sério a necessidade de assumir compromissos”

COP30 EM BELÉMDa mesma forma que fizemos o melhor G20, vamos fazer o melhor BRICS e a melhor COP. Não queremos uma COP que seja um festival de pessoas andando como se fosse um shopping de produtos climáticos, ambientais, sem ninguém ter responsabilidade. O que queremos é uma COP com seriedade, discussão, para que a gente possa tirar da COP30 decisões que possam ser cumpridas e que a sociedade possa acreditar que os governantes estarão levando a sério a necessidade de assumir compromissos para que o planeta não aqueça mais de um grau e meio. Nós assumimos compromisso de desmatamento zero na Amazônia até 2030. Queremos zerar o desmatamento no Cerrado e o desmatamento em todos os biomas, porque é a única chance que a gente tem de garantir que o nosso povo vai sobreviver no século XXI.

MUDANÇA DO CLIMAO protocolo de Kyoto não foi cumprido, o Acordo de Paris está sendo desrespeitado e o que nós decidimos em Copenhague em 2009, de que os países ricos iriam contribuir com 100 bilhões de dólares anuais para que a gente pudesse preservar as florestas, não aconteceu. Se tem negacionista que não acredita que o mundo está com problemas, o que vimos no ano passado é demonstração de que estamos perdendo o controle. O mundo está mudando e nós, seres humanos, temos responsabilidade. E mais responsabilidade têm os países que se industrializaram há 200 anos atrás. Quem acredita que está havendo um problema tem que brigar por isso. Não vamos imaginar que os destruidores irão ter disposição de deixar de ser destruidores.

TRANSIÇÃO ENERGÉTICAAbrimos uma trincheira extraordinária no desenvolvimento brasileiro. Eu quero atrair mais empresas japonesas para ir ao Brasil. Em 2008, aqui no Japão, os governantes imaginavam que iam adotar 3% de etanol no combustível a partir de 2010. Não foi adotado, mas agora o Japão está com disposição de adotar 10% de etanol na gasolina, começar a produzir biodiesel, e o Brasil é o lugar mais extraordinário. Estamos convidando os japoneses para participar da transição energética brasileira, para participar da mudança do combustível fóssil para o combustível limpo. Isso vai levar anos, mas é importante que a gente dê os passos necessários a partir de hoje.

MULTILATERALISMOÉ importante a defesa do multilateralismo e do livre-comércio. Na década de 80, se criou em todos os países a ideia de que era necessária a globalização da economia. Todo mundo tinha que vender para todo lugar. Agora, estranhamente, os mesmos que defendiam o livre-comércio estão praticando o protecionismo.

CONSELHO  DA ONUNós achamos que não é possível manter uma governança global que perdeu um pouco de representatividade e credibilidade. Hoje, os membros do Conselho de Segurança tomam decisões, fazem guerras de forma unilateral, e ainda têm o direito do veto. Ou seja: as coisas pouco acontecem. A mesma ONU que em 1948 teve força para criar o Estado de Israel, não tem nenhuma força para criar o Estado Palestino. E é por isso que nós queremos mudar a representação para que a gente tenha mais incidência nas decisões globais.

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